Antecipei um ideal saído de um jogo de ralis, com saltos, poeira, ramos de árvore e, até, com os despiques que nos habituámos a ver atrás de um ecrã. Porém, mesmo com uma navegadora inexperiente como eu, o Bruno Martins (campeão nacional de SSV) levou-me num curva-contra-curva incrível, que terminou com o melhor tempo do dia. E poderia fechar os olhos, porque este piloto, parece saber e sentir a pista pelo contacto dos pneus com cada quilómetro do Terródromo como se fossem um só, mas não fechei. E fizemos a volta mais rápida nas 3 Horas SSV de Vila de Fronteira 2017.
Quantas vezes vou travar com o pé? Será que me vai sair um: “Cuidado, cuidado, cuidado” algures a meio da volta? E que me vou sentir sempre segura? Será que se consegue ver alguma coisa? Ou será que mais vale não ver? Estas eram algumas das perguntas que levava na cabeça para uma experiência assim. Aqui não há trabalho de casa ou preparação possível, além daquilo que está no nosso imaginário.
Deixem-me fazer um parêntesis, sempre gostei de velocidade. O meu percurso profissional fez-me estar lado a lado com o ambiente que se vive no desporto automóvel e motorizado. Mas o gosto deve vir de há mais tempo. Quando era miúda fugi uma vez de casa para andar num jipe velho com uma amiga, e seguiu-se uma Moto 4. Também aos domingos espreitava a Fórmula 1 e o MotoGP na sala. Lembrei-me destas histórias de manhã, antes de conhecer o Bruno Martins, o piloto que me levou numa das melhores experiências que já tive.
Mas voltemos ao que interessa: a adrenalina, o pó, aquilo que não se pode prever, o nervoso miudinho de querer andar ainda mais rápido, de arriscar mais um bocadinho naquela curva, tudo isto eu sabia que ia ter, mas tudo o resto estava longe de poder sonhar.
Vesti o fato, puseram-me um capacete e entrei para dentro do Rage pela janela. Sim, que também é preciso flexibilidade para se entrar numa coisa destas. O Bruno perguntou-me: “Está tudo bem?”. Tentei demonstrar o meu ar mais descansado de sempre e disse: “Sim, sim. Não te preocupes.” Tranquilizei-o, queria ser invisível e atrapalhar o menos possível. Foi aí que percebi que conseguia ouvi-lo dentro do capacete, através de um intercomunicador. Também faz sentido, pensei, no meio do barulho ensurdecedor não há como ser de outra forma. Ou é isso, ou ficamos roucos. Perguntou-me, em seguida, se estava com medo, entre um sorriso humilde e genuíno, e respondi que não. Não menti (e também não tive.).“E já alguma vez tiveste uma co-piloto?” Perguntei de volta. Disse-me que também era a primeira vez. Estávamos em pé de igualdade agora.
Posso ligar o carro? Pergunta o Bruno, enquanto ainda se faziam uns “apertos” de última hora. Pergunta outra vez, e depois outra. E apesar da sua calma, percebe-se que está em pulgas para voltar à pista. É agora! Estamos prontos!
Ainda pedi ao co-piloto “original” se me dava algum conselho. “Apoia os pés no chão”, foi tudo o que me disse. Foi mais ou menos isso que fiz. Como sou pequena, apoiei as pontinhas dos pés para conseguir ver a pista. Percebi, depois, que aqui não há grandes recomendações. É sentir cada salto (além dos do coração), cada curva, cada derrapagem, cada ultrapassagem. Deixem-me repetir: cada ultrapassagem! A temperatura aumenta, assim como a velocidade (e a intensidade!) ao longo do percurso.
Começámos logo a fundo numa reta cheia de azinheiras e com uma curva ao fundo, que antecipa o que aí vem. Consigo sentir a adrenalina a cada alteração de mudança e dou por mim em modo piloto automático a ver tudo, a tentar sentir e absorver cada segundo. Tudo o que possa dizer neste momento me parece estúpido e limito-me a sentir os instantes e a aproveitar o friozinho da barriga a cada “voo”. “Estás bem?”, perguntou depois do primeiro mergulho no ar. “Estou óptima! Isto foi incrível”, disse-lhe. E ele deve ter percebido que o sinal estava verde. Podia estar à vontade.
Pensei que havia espaço para as ultrapassagens, não há. Mas não é por isso que deixam de se fazer, entre árvores e com mais do que um SSV. Entre bermas e socalcos de terra, pedras, buracos. Depois da primeira volta, disse-me que agora o tempo estava a contar. Imaginem tudo isto mas ainda mais rápido!
No final, pensei com os meus botões como é que consegue ver a estrada no meio de tanta coisa. Será que ele sabe o que vem a seguir? E como consegue decorar tanta coisa inesperada e diferente? Ou podia fazer a pista quase de olhos fechados? Disse-me que estudam sim, que estudam bem, mas que depois, no momento, se torna algo intuitivo. “É o instinto que acabamos por ter. Mais do que decorar começas por compreender o carro, a tua condução, e por perceberes até onde podes ir.”. A mim parece-me impossível, mas deixa-me ainda mais fascinada com tudo isto. É arte, concluo. Aqui dentro mistura-se a concentração com a antecipação, e a paixão com o engenho.
No final, saímos do SSV e disseram-nos que aquela tinha sido a melhor volta ao circuito. Haveria melhor forma de terminar esta aventura?