Muitos conhecem o Rui Cardoso pela carreira jornalística, em especial pela sua ligação ao Expresso (que começou em 1989 e ainda hoje se mantém) e pelos comentários de política internacional que faz, com regularidade, em canais de televisão. Mas o Rui tem uma outra faceta. Não será mais ou menos negra, mas é inusitada e desconhecida de muitos: uma imensa paixão pelo todo-o-terreno, que se traduz na participação nas mais emblemáticas provas da modalidade em Portugal. O Rui é o único totalista das míticas 24H de Fronteira. Ou seja, é o único piloto que esteve em todas as edições desde que esta foi criada pelo saudoso José Megre. Aliás, ainda participou numa prova em Soure, que antecedeu e serviu de balão de ensaio para Fronteira.
“Comecei por fazer uns passeios TT, mas aquilo sabia a pouco e comecei a achar piada a entrar numas provas. Lembro-me de ter participado numa coisa organizada pelo (José) Megre em Soure, em 1996, e que antecedeu Fronteira. Ainda fiz uma série de provas à pendura num velho Carocha que, com a preparação para as provas, parecia o resultado de um casamento entre um dumper das obras e uma betoneira. Estava em tão mau estado que, em Portalegre, o carro ia-se desfazendo ao longo da prova e perdendo peças. Ainda fizemos quase 300 km até o VW entregar a alma ao criador. Aí fomos para Portalegre beber copos... Ainda estou para perceber como é que um Carocha todo podre e, só com tração atrás, conseguia atravessar aqueles lamaçais.”
Já em 1997, o Rui Cardoso entrou na primeira edição das 24H de Fronteira ao volante de um UMM. “A única preparação que esse tinha era o rollbar, as baquets e os cintos de competição. Aliás, a ideia era mesmo essa, manter o automóvel o mais de série possível para quando alguma coisa se estragasse ser fácil e barato de resolver. Convém relembrar que o patrocinador é um “gajo” de bigode que se chama Rui Cardoso. Uma ocasião, logo na primeira participação nas 24H de Fronteira, partimos a ponte dianteira no UMM à saída de um salto. A minha “equipa” de mecânicos soldou aquilo como pôde e voltámos à pista, mas só com tração atrás e pneus cardados. Nós e mais dois carros igualmente em mau estado acabámos a prova quase seguidos e na minha crónica habitual da corrida dei-lhe o título ‘O Comboio dos Duros’...”
As participações do Rui Cardoso ao volante do amado UMM acabaram dois anos depois, quando o jipe nacional deu lugar a um muito mais sofisticado (na altura) Nissan Patrol GR. E é na companhia deste “tanque de guerra”, como o Rui o trata, que o piloto/jornalista ainda hoje participa na prova de Fronteira. A montada é diferente, mas as histórias amontoam-se na mesma proporção do número de edições em que participa. “Já com o Patrol GR, numa das edições, a água era tanta que passávamos pelas ribeiras com esta a bater no para-brisas. Tínhamos de ligar as redutoras e passar devagar para a corrente não arrastar o Nissan.”
Obviamente que a classificação final está longe de ser o principal motivo de preocupações deste “veterano” piloto das 24H de Fronteira. “Ficamos sempre no final da tabela, mas uma vez ganhámos a nossa categoria. Às 4h da manhã fui ver as classificações e a nossa equipa tinha cinco voltas de vantagem sobre os adversários diretos. As minhas “instruções” foram claras: calma, muita calma, se não fizermos asneiras e se o carro aguentar, temos isto ganho. O importante era ver a bandeira de xadrez e... vimos. Foi uma alegria e uma festa tremenda. Não imaginam a sensação de conquista.”
Em relação às 24H de Fronteira Rui Cardoso define a sua participação de uma forma simples: “equipa da treta, carro da treta e orçamento da treta, para uma prova de sonho”. De facto, o Rui não esconde a paixão pela prova alentejana, mesmo que esta, por vezes, seja madrasta. “Numa ocasião, o nevoeiro era tanto que, para atravessarmos as ribeiras, tínhamos dois jipes da organização, um de cada lado, com pirilampos amarelos a sinalizar o ponto de passagem. Tinhas de calcular o azimute e acertares no meio dos dois. Isto enquanto rezavas que, pelo caminho, não apanhasses uma vala ou um pedregulho. Imagino só os sustos que alguns devem ter apanhado.”
Aliás a falta de visibilidade é um problema recorrente nas 24H de Fronteira. “Até à chegada dos LED era um desafio constante. Com chuva e lama à mistura, os faróis tornam-se quase inúteis. Aquilo era mais adivinhação e fé do que visão. O que nós gostávamos mesmo era de ser dobrados pelos aviões (os concorrentes que lutavam pelos primeiros lugares), pelo menos sabíamos que durante 300 ou 400 metros tínhamos alguém a iluminar o caminho e a traçar o rumo para nos desviarmos dos buracos.”
Em relação à participação deste ano, Rui Cardoso adianta que vai ter uma alteração na equipa e a habitual arma secreta vai mudar de poiso e de funções. “A Amélia, a nossa vaca de peluche e mascote, vai deixar de ir a bordo do Patrol GR. Dada a sua proveta idade, e o enchimento de esferovite, a Amélia enchia o habitáculo de bolinhas brancas. Este ano, a Amélia vai ficar nas boxes a supervisionar toda a operação que montámos e a atividade frenética – ou não – dos mecânicos e restante equipa.”